Sábado, 07 De Setembro De 2024
       
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Patrimônio


Publicado em 10 de agosto de 2024
Por Jornal Do Dia Se


A vida inteira pela frente (Divulgação)

Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
Uma primeira vez,  ouso discordar do poeta. Filhos, melhor tê-los, sim. Especialmente, após os 40.
Carregar um bebê nos braços, pra cima e pra baixo, o dia inteiro, exige mesmo a espinha ilesa de um homem jovem, admito. As recompensas da paternidade tardia, entretanto, superam os desconfortos irmãos da calvície e dos cabelos brancos – com ênfase no plural.
Lorena está prestes a completar dois meses de nascida. Inácio, por sua vez, conta quase um ano e meio.
Isso de lamber as crias eu faço direito. Também porque tornei-me pai depois de velho, quando já não tinha esperanças de transmitir nada a ninguém – bens, genes, memórias, livros, as lições machadinhas da miséria.
Às portas da morte, Amaral Cavalcante me pediu um livro emprestado, precisava se distrair durante as sessões de hemodiálise, estava cansado da própria biblioteca. Não pensei duas vezes antes de catar o Patrimônio de Philip Roth na estante. Só depois me dei conta de esfregar o fim já próximo nas fuças do amigo.
Patrimônio é o único romance biográfico assumido pelo romancista. Nele, autor e personagem vivem o luto imposto pela morte de seu pai.
Tenho contas a acertar com a indesejada das gentes. Ainda mais agora, com Inácio e Lorena sob as minhas asas.
A semana passada troquei os pneus do carro, após negligenciar a necessidade evidente há vários meses. Atendi a uma sugestão do preto velho que vigia os meus passos e acena para mim nas curvas da BR, com um charuto pendurado no beiço. Ateu, graças a deus, de repente me dei conta: tenho dois filhos e a vida inteira pela frente.
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