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Quando sobem as cortinas: o Teatro Guadalupe! (II)


Publicado em 24 de outubro de 2023
Por Jornal Do Dia Se


* Acrísio Gonçalves de Oliveira

Em memória dos inúmeros poetas e artistas das artes cênicas da história estanciana até nossos dias.
Antes de subirem as cortinas do espetáculo, era costume a execução de músicas ao toque das filarmônicas, sendo a “estudiosa” Lira Carlos Gomes uma das contratadas para tal. É que as passagens líricas das peças ficavam ao cargo delas. Outras vezes a filarmônica tocava com o objetivo de quebrar a monotonia do intervalo entre um ato e outro ou entre uma peça e outra.
A profusão teatral em Estância mostrava-se sempre expansiva. De repente alguém criava um texto, reunia artistas – que era fácil encontrar alguém disposto – e o levava aos palcos. Citamos como exemplo o professor Hugolino Azevedo, maestro e violinista, que nesses anos decidiu dirigir o drama, baseado na obra de Camilo Castelo Branco, “Abençoadas Lágrimas”. O professor ainda levaria aos palcos a comédia “O Recrutamento na Roça”, de sua autoria. O trabalho artístico foi encenado por um grupo de amadores de ambos os sexos. O público lotou a casa e aplaudiu bastante. Hugolino de Souza Azevedo, além de se declinar ao teatro, foi maestro da antiga Filarmônica Vitória e um dos fundadores da Lira Carlos Gomes. Por isso, sua foto se encontra na galeria da sede dessa filarmônica.
Chamamos a atenção para o fato de que as companhias teatrais poderiam dedicar a arrecadação de uma de suas apresentações a uma causa. Essa causa,que era previamente anunciada ao público, poderia ser em prol do Hospital Amparo de Maria, da Matriz, do Asilo Santo Antônio… Em 1911, foi o que fez,por exemplo, a professora Arabela Ribeiro. Sendo uma das cooperadoras do citado asilo, objetivando angariar fundos para essa instituição, resolveu montar o drama “Helena ou O Coração de Mulher”. Realizada em cinco atos, a peça também trazia a comédia “Más Tentações” e contou com a participação de cinco jovens atrizes. A comédia “arrancou estrepitosas gargalhadas da plateia”. Como a peça foi exibida na Casa Inglesa, o grupo,embora tendo pago de aluguel 20 mil réis, ainda conseguiu arrecadar pro caixa do Asilo a quantia de 186 mil réis! Em outro número dessa apresentação, esse mesmo grupo, formado por “gentis senhoritas”, reverteria a arrecadação do espetáculo à Lira Carlos Gomes.
Mas de tempos em tempos os amantes da dramaturgia faziam cobrança. A cidade não deixava de ficar ressentida com a falta de sua casa teatral. Assim, em 1915,outro entusiasta de peso entraria em cena. A nova casa de teatro de Estância mais uma vez não viria do poder público municipal, mas das mãos de um apaixonado pelas artes cênicas: o Monsenhor Vitorino Fontes. Ele era um sacerdote respeitado, um orador fluente e muito envolvido com a cultura.
A inauguração da casa de espetáculo estava sendo aguardada com muita expectativa. Enquanto isso, uma trupe local se preparava para o dia da estreia do novo teatro. Conforme disse a imprensa, o teatro era espaçoso e podia comportar “à l’aise umas setecentas pessoas”. Tinha capacidade para comportar duas ordens de cadeiras para senhoras, além de ter um salão em que se podia dispor cinco ordens dessas mesmas cadeiras. Por conta do amplo espaço, poderia receber uma companhia dramática de tamanho regular. A iluminação do edifício obedecia ao sistema dos principais teatros: suas lâmpadas eram multicores e “recebiam brilhantes focos de um grande aparelho adaptado a projeções cinematográficas”.
Estava previsto para ser apresentado na estreia do teatro a peça “O Relicário do Filho Adotivo”, além de uma comédia denominada “O Imposto do Selo”. De forma antecipada, pelo fato de seu proprietário não haver conseguido instalar as cadeiras, dias antes da inauguração,a direção da casa teatral pediria a cada uma das pessoas o obséquio de levar seus assentos, inclusive que anotassem neles seus nomes.
Pela tarde, às17 horas, houve o benzimento do edifício. Em homenagem à padroeira da cidade, o novo centro de diversão recebeu o nome de Teatro Guadalupe.
Às 22 horas daquela noite, devido à afluência de pessoas ao teatro, já era difícil encontrar espaço. As filarmônicas Lira Carlos Gomes e Recreio Santa Cruz preencheram os intervalos dos espetáculos com “a execução de agradáveis peças de seus repertórios”, e a apresentação das peças foi um grande sucesso.
No decorrer dos anos, diversas peças seriam apresentadas no palco do Guadalupe, a exemplo do dueto formado por Romualdo Figueiredo e Amália Silva, que nele se apresentaram. Romualdo era um ator valoroso e de reputação nacional, “firmada nas mais cultas plateias” do País.Como esperado, aqui arrancaria da plateia “aplausos ruidosíssimos”.
A expressividade da dramaturgia em Estância faria, nos anos 1920, surgir a ideia de construir um teatro municipal. Para infelicidade da cultura local, isso nunca se tornaria uma realidade. Hoje a arte cênica da Cidade Jardim se dá num lampejo de pura teimosia. Acimentada em quase dois séculos de herança teatral,toda essa tradição estanciana a vemos encarnada na efusiva expressão teatral emanada pela Sociedade dos Incautos ou na eloquente voz incessante de seus poetas,mesmo que só o chão despido tenha como tablado e amparo um céu anil!

* Acrísio Gonçalves de Oliveira, pesquisador, professor do Estado e da Rede Pública de Estância

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