Terça, 20 De Maio De 2025
       
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QUEM É O INIMIGO?


Publicado em 07 de fevereiro de 2020
Por Jornal Do Dia


 

* Lelê Teles
O portão automático se abriu, 
qual a boca de um monstro rui-
doso.
De lá, como que cuspido ou escarrado, ejetou-se um automóvel; ao mesmo tempo, saiu com ele um cão, da raça pitbull.
Até aí, tudo bem.
Os cães eram comuns naquela rua, ninguém os temia, o que dava medo era aquele fascinante e buzinante animal mecânico de quatro patas circulares.
Porque aquele, todos sabiam, mata.
Aconteceu que o morador daquela casa de muro alto, sempre sisudo e metido a besta, esqueceu-se de prender o cão antes de botar o carro pra fora e, esse, evadiu-se.
Acostumado à prisão do baraço de cadeias de ferro, o cachorro, liberto, ganhou a rua.
A primeira coisa que fez, ao ver-se livre das amarras, foi atacar uma das crianças que jogava bola na rua, estraçalhando-a impiedosamente.
A vizinhança, depois da tragédia, culpou o animal pela desgraça: que aquela raça era assassina, que deveriam ser castrados todos os pitbulls do mundo etc.
Ninguém atentou que o pobre cachorro, além de agressor, também era uma vítima.
Ele foi treinado para odiar as vozes que vinham da rua.
É certo que merecia um corretivo, mas é errado achar que foi o cão quem matou e não o dono; o cão apenas mordeu, caninamente.
Na verdade, o cachorro está em interação com o homem desde a pré-história. 
Nas ruas, perambulam amistosamente, é mais que um animal domesticável ou domesticado é, pelo tempo que tem de urbes, um animal doméstico.
Por isso mesmo, já foi apelidado de o melhor amigo do homem.
A desgraça só aconteceu porque o dono  do cachorro o criou como uma fera, um cão de guarda, um cérbero guardião de patrimônio, inimigo dos vizinhos, sempre a latir e mostrar os dentes.
Culpar o cão é um erro que se comete o tempo todo.
Quando vejo a rapaziada mostrar os dentes para os PMs, lembro sempre desse episódio.
É certo que muitos policiais estão a espancar, humilhar e matar as pessoas nas ruas.
Mas eles são treinados pra isso! 
É um erro jogar os erros de uma instituição nas costas dos indivíduos.
Tem PM gente boa pra cacete por aí. E gente ruim, que faz mal o seu serviço, tem em toda profissão.
O lance é que o maior culpado dessa tragédia toda é o adestrador de milicos e o homem que lhe paga o salário.
O cana é uma ferramenta do sistema; ele nem é mão que aperta o parafuso, ele é o parafuso.
O PM, você bem o sabe, é um trabalhador, um cabra que prestou um concurso para conseguir um emprego e criar sua família.
Não é uma vocação – desmitifica isso – é um trampo como outro qualquer.
A polícia não sai na rua recrutando sujeitos valentes: "o senhor é pobre, mas odeia pobre? temos um emprego à sua espera", ou, "é negro e não gosta de preto, odeia mulheres e acha os brancos e os ricos sujeitos corretos e que merecem toda a nossa proteção? venha conosco." 
Não é assim.
Escorraçar PMs, somente – os que são escorraçáveis! – não impedirá que A PM continue matando.
Tentarei ser mais claro.
As mulheres, o feminismo, não está na rua lutando contra os homens, elas estão querendo destruir o patriarcado.
Mesmo que os indivíduos abusadores tenham que ser punidos e merecem, claro, ser execrados, não são eles o alvo do feminismo, mas a cultura que os formatou.
Culpar somente o sujeito que cometeu o abuso, prendê-lo e bani-lo do convívio social – embora isso seja necessário – não impedirá que os outros sujeitos sigam humilhando, estuprando, espancando e matando mulheres.
É preciso cortar o mal pela raiz, como se diz.
Culpar somente o cão, é não querer enxergar o cabra que deixou aberto o portão.
Edir Macedo, esperto como o cão, fez um vídeo interessante onde ele tenta, ao que parece, formar uma milícia evangélica armada.
Digo interessante do ponto de vista de que ele focou no PM e não na PM, na instituição.
Ele enxergou o policial como um indivíduo, um trabalhador, um ser humano portador de todas as fragilidades que acometem seus semelhantes, nisso ele está correto.
Assim, enviou a eles uma mensagem forte e poderosa!
Ele mostrou que a PM era um problema para o PM, porque a forma com que aquele sujeito trabalha é causadora de estresse, suicídios, síndromes do pânico…
E ele oferece a sua instituição, "caridosa, afetuosa e empática", para curar os traumas daqueles indivíduos, reformatando-os para seus interesses particulares.
É como se dissesse que Jesus, que não tinha cachorro, podia tirar a coleira daqueles cães e torná-los dóceis pets.
Espero que entendam a analogia com o cachorro. Tudo aqui está num sentido figurado. Não é nada pessoal, pessoal.
Sigamos.
Quando o povo da igreja entra nos presídios, eles não focam sua atenção no indivíduo – o cão – embora seja ele que importa, mas focam em seus traumas.
Como se dissessem: antes de ver em você um agressor, enxergo uma vítima.
Só que ao invés de culpar o sistema – o cara do portão – excludente, racista, violento e pobrefóbico, eles botam a culpa no cão, não naquela pobre animal que fugira de casa, mas no capeta.
O homem que deixou o portão aberto, para os evangélicos, se transforma numa figura etérea, mística, transcendente, inumana.
Mas o que importa aqui é que o cachorro deixou de morder.
Homicidias, latrocidas, ladrões de galinha e batedores de carteira se convertem em amáveis chefes de família.
O que quero dizer, e o direi de uma vez por todas, é que grande parte da esquerda se comporta como crianças que jogam bola na rua.
Não falamos com PMs, com o pessoal da igreja, com presidiários, com o diabo a quatro.
"Ah, é tudo cachorro!"
E seguimos na nossa bolha, um time só de canhotos.
Aí, quando menos se espera, abre-se um portão e somos estraçalhados no meio da rua.
Nós, da esquerda, continuamos a morder o cachorro, caninamente, enquanto cada vez mais portões vão sendo abertos.
Periga de acabarmos sem dentes e com o rabo entre as pernas.
Palavra da salvação.
* Lelê Teles, jornalista, publicitário e roteirista

* Lelê Teles

O portão automático se abriu,  qual a boca de um monstro rui- doso.
De lá, como que cuspido ou escarrado, ejetou-se um automóvel; ao mesmo tempo, saiu com ele um cão, da raça pitbull.
Até aí, tudo bem.
Os cães eram comuns naquela rua, ninguém os temia, o que dava medo era aquele fascinante e buzinante animal mecânico de quatro patas circulares.
Porque aquele, todos sabiam, mata.
Aconteceu que o morador daquela casa de muro alto, sempre sisudo e metido a besta, esqueceu-se de prender o cão antes de botar o carro pra fora e, esse, evadiu-se.
Acostumado à prisão do baraço de cadeias de ferro, o cachorro, liberto, ganhou a rua.
A primeira coisa que fez, ao ver-se livre das amarras, foi atacar uma das crianças que jogava bola na rua, estraçalhando-a impiedosamente.
A vizinhança, depois da tragédia, culpou o animal pela desgraça: que aquela raça era assassina, que deveriam ser castrados todos os pitbulls do mundo etc.
Ninguém atentou que o pobre cachorro, além de agressor, também era uma vítima.
Ele foi treinado para odiar as vozes que vinham da rua.
É certo que merecia um corretivo, mas é errado achar que foi o cão quem matou e não o dono; o cão apenas mordeu, caninamente.
Na verdade, o cachorro está em interação com o homem desde a pré-história. 
Nas ruas, perambulam amistosamente, é mais que um animal domesticável ou domesticado é, pelo tempo que tem de urbes, um animal doméstico.
Por isso mesmo, já foi apelidado de o melhor amigo do homem.
A desgraça só aconteceu porque o dono  do cachorro o criou como uma fera, um cão de guarda, um cérbero guardião de patrimônio, inimigo dos vizinhos, sempre a latir e mostrar os dentes.
Culpar o cão é um erro que se comete o tempo todo.
Quando vejo a rapaziada mostrar os dentes para os PMs, lembro sempre desse episódio.
É certo que muitos policiais estão a espancar, humilhar e matar as pessoas nas ruas.
Mas eles são treinados pra isso! 
É um erro jogar os erros de uma instituição nas costas dos indivíduos.
Tem PM gente boa pra cacete por aí. E gente ruim, que faz mal o seu serviço, tem em toda profissão.
O lance é que o maior culpado dessa tragédia toda é o adestrador de milicos e o homem que lhe paga o salário.
O cana é uma ferramenta do sistema; ele nem é mão que aperta o parafuso, ele é o parafuso.
O PM, você bem o sabe, é um trabalhador, um cabra que prestou um concurso para conseguir um emprego e criar sua família.
Não é uma vocação – desmitifica isso – é um trampo como outro qualquer.
A polícia não sai na rua recrutando sujeitos valentes: "o senhor é pobre, mas odeia pobre? temos um emprego à sua espera", ou, "é negro e não gosta de preto, odeia mulheres e acha os brancos e os ricos sujeitos corretos e que merecem toda a nossa proteção? venha conosco." 
Não é assim.
Escorraçar PMs, somente – os que são escorraçáveis! – não impedirá que A PM continue matando.
Tentarei ser mais claro.
As mulheres, o feminismo, não está na rua lutando contra os homens, elas estão querendo destruir o patriarcado.
Mesmo que os indivíduos abusadores tenham que ser punidos e merecem, claro, ser execrados, não são eles o alvo do feminismo, mas a cultura que os formatou.
Culpar somente o sujeito que cometeu o abuso, prendê-lo e bani-lo do convívio social – embora isso seja necessário – não impedirá que os outros sujeitos sigam humilhando, estuprando, espancando e matando mulheres.
É preciso cortar o mal pela raiz, como se diz.
Culpar somente o cão, é não querer enxergar o cabra que deixou aberto o portão.
Edir Macedo, esperto como o cão, fez um vídeo interessante onde ele tenta, ao que parece, formar uma milícia evangélica armada.
Digo interessante do ponto de vista de que ele focou no PM e não na PM, na instituição.
Ele enxergou o policial como um indivíduo, um trabalhador, um ser humano portador de todas as fragilidades que acometem seus semelhantes, nisso ele está correto.
Assim, enviou a eles uma mensagem forte e poderosa!
Ele mostrou que a PM era um problema para o PM, porque a forma com que aquele sujeito trabalha é causadora de estresse, suicídios, síndromes do pânico…
E ele oferece a sua instituição, "caridosa, afetuosa e empática", para curar os traumas daqueles indivíduos, reformatando-os para seus interesses particulares.
É como se dissesse que Jesus, que não tinha cachorro, podia tirar a coleira daqueles cães e torná-los dóceis pets.
Espero que entendam a analogia com o cachorro. Tudo aqui está num sentido figurado. Não é nada pessoal, pessoal.
Sigamos.
Quando o povo da igreja entra nos presídios, eles não focam sua atenção no indivíduo – o cão – embora seja ele que importa, mas focam em seus traumas.
Como se dissessem: antes de ver em você um agressor, enxergo uma vítima.
Só que ao invés de culpar o sistema – o cara do portão – excludente, racista, violento e pobrefóbico, eles botam a culpa no cão, não naquela pobre animal que fugira de casa, mas no capeta.
O homem que deixou o portão aberto, para os evangélicos, se transforma numa figura etérea, mística, transcendente, inumana.
Mas o que importa aqui é que o cachorro deixou de morder.
Homicidias, latrocidas, ladrões de galinha e batedores de carteira se convertem em amáveis chefes de família.
O que quero dizer, e o direi de uma vez por todas, é que grande parte da esquerda se comporta como crianças que jogam bola na rua.
Não falamos com PMs, com o pessoal da igreja, com presidiários, com o diabo a quatro.
"Ah, é tudo cachorro!"
E seguimos na nossa bolha, um time só de canhotos.
Aí, quando menos se espera, abre-se um portão e somos estraçalhados no meio da rua.
Nós, da esquerda, continuamos a morder o cachorro, caninamente, enquanto cada vez mais portões vão sendo abertos.
Periga de acabarmos sem dentes e com o rabo entre as pernas.
Palavra da salvação.

* Lelê Teles, jornalista, publicitário e roteirista

 

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