A Era do capital improdutivo
Publicado em 15 de março de 2023
Por Jornal Do Dia Se
Emir Sader
Com esse título, Ladislau Dowbor, um dos melhores analistas econômicos contemporâneos do Brasil, publicou um livro que é uma referência indispensável para a compreensão do País na sua era neoliberal. “A nova arquitetura do poder: dominação financeira, sequestro de democracia e destruição do planeta”: o subtítulo indica o desenvolvimento dos conteúdos principais do livro (Editora Outras Palavras/Autonomia Literária).
Mais recentemente Dowbor atualiza a situação da economia brasileira, em nota difundida pela internet. Ele retoma os mecanismos do rentismo: o dinheiro flui para onde rende mais, para os ganhos improdutivos. Sem nenhuma contribuição produtiva, os grandes grupos financeiros drenam cerca de 6% do PIB. Que não se arriscam em investimentos produtivos, quando podem ganhar 13,75% sem risco e sem esforço?
O aumento de 82% da dívida resulta de juros acumulados, alimentando especuladores financeiros. Em 2022 foram entre 600 e 700 bilhões drenados para a especulação financeira.
Outro mecanismo de drenagem é a evasão fiscal, segundo Ladislau. De primeiro de janeiro a 23 de novembro de 2020, o Brasil perdeu 562 bilhões devido a práticas ilícitas para não pagar impostos. Eram 7,6% do PIB daquele momento. Para uma comparação, o Bolsa Família representava 0,5% do PIB.
Os juros praticados no Brasil para pessoa física e pessoa representam uma drenagem maior ainda. Os juros tiravam da economia, já em 2016, um trilhão de reais, 16% do PIB. Em dezembro de 2022, a taxa média de juros terminou o ano com praticamente 30%.
O custo, para cada pessoa, é de 7 mil reais para cada um de nós. Daria para construir 15 milhões de casas populares.
Esse rentismo institucionalizado é hoje legal, diz Ladislau, já que uma emenda constitucional retirou da constituição o artigo 192, que tipificava a usura como crime. A hiperinflação foi derrubada em 1994, mas os bancos continuaram a apresentar a taxa de juros ao mês, fazendo com que se torne comparável com a que se cobra no resto do mundo, só que ao ano.
Assim, 79% das famílias brasileiras estão muito endividadas trabalhando para pagar juros. Cerca de 1/3 estão em bancarrota pessoal.
Outra forma de drenagem são as renúncias fiscais. As renúncias de impostos concedidas pela União a setores determinados da sociedade devem chegar a 456 bilhões de reais em 2023 ou 4,2% do PIB.
Tudo isso somado, temos, até agora, 6 a 7% do PIB drenados pela dívida pública, cerca de 6% pela evasão fiscal, cerca de 15% do PIB por juros extorsivos, mais de 4% por renúncias fiscais. O desequilíbrio, isto é, por dreno do que entrou e por não entrada do que é devido, é da ordem de 30% do PIB.
Desde 1995 lucros e dividendos distribuídos no Brasil, não pagam impostos. Ou seja, os 290 bilionários que aparecem na Forbes, são isentos de impostos.
A produção voltada à exportação, tampouco paga impostos. A reprimarização da economia, que vivemos nos últimos anos, bem como a desindustrialização do País, estão diretamente ligados a este marco institucional. Hoje somente funcionam o setor de exportação primária e o setor financeiro.
Não se trata apenas dos lucros exorbitantes do 1% de improdutivos. O rentismo favorece, sem dúvida, o 1% ou 0,1%, que detém o grosso das aplicações financeiras. Hoje, como rende mais fazer aplicações financeiras, com risco zero e pouco trabalho, o capital que um dia já foi produtivo, migrou para o rentismo improdutivo.
O tripé tão falado do superávit primário, câmbio flutuante e meta de inflação, deveria ser substituído por um tripé que funciona: renda básica, políticas sociais e garantia de emprego.
Mais renda na base da sociedade gera demanda e as empresas passam a ter para quem vender. Isso permite que o governo expanda o ciclo, com melhores políticas sociais e melhores infra-estruturas. É o círculo virtuoso.
Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros