DEMOCRACIA SOB TUTELAOU IMINÊNCIA DE DITADURA ABERTA?
Publicado em 21 de fevereiro de 2020
Por Jornal Do Dia
* Miguel dos Santos Cerqueira
Aparentemente o país vive sob pleno regime democrático. Di zemos aparentemente por que, atualmente, aqui no Brasil as Forças Armadas, sem que aparentem interferir na vida política nacional, de fato estão a tutelar alguns Poderes da República, a exemplo do Poder Executivo e do Poder Judiciário.
De fato, sem que nos déssemos conta, a democracia foi paulatinamente sendo seqüestrada, diante da estultice das maiorias, sem qualquer óbice, por atos episódicos de membros dos aparelhos de estado e por agentes dos Poderes da República, a exemplo de Juízes, os quais atuavam ao arrepio e a margem da Lei e do Estado de Direito, com toda a audácia própria dos salteadores e sem nenhum temor. O resultado esta ai, completa e mal disfarçada tutela do Estado e da Democracia por setores das Forças Armadas.
Com a deblace do Regime Militar, após o fracasso do Governo do General João Baptista Figueiredo, com o insucesso da candidatura de Paulo Salim Maluf nas eleições indiretas de 1986, com a promulgação da Constituição de 1988, seguiu-se um de certo descenso, de um aparente afastamento dos Militares do espaço da política.
Entretanto, após o carnaval do "lavajatismo", com a corrosão paulatina e diuturna do Estado de Direito por juízes, membros do Ministério Público, policiais federais, membros da Cortes Superiores e até mesmo pelo guarda da esquina, os quais se arvoravam de guardiães e legítimos intérpretes da Constituição, com a derrogação tácita da chamada Constituição Cidadã e imposição de uma novíssima Constituição de perfil neoliberal pelo atual Congresso Nacional, com o somatório Dos amotinamentos e levantes das Polícias Militares dos Estados, confrontando e chantageando os Governadores, exigindo benesses, regali as e sal vo conduto para matar livremente pobres, pretos, jovens e desafetos; o que se assiste é o fortalecimento vertiginoso do poder político dos militares, que alcançaram um sucesso inaudito na ampliação de seus espaços de ação e decisão, em detrimento daqueles espaços ocupados pelos civis, eis recém desmoralizados como sendo ineptos ou corruptos, inimigos da probidade e adversários da nação.
Sem embargo, enganaram-se todos aqueles que acreditavam que com a emergência da Constituição de 1988, dar-se-ia uma transmutação cultural da sociedade brasileira, que o Espírito do Positivismo do advento da República e o Tenentismo, e o intervencionismo dos militares na política, ditando regras às Instituições ficaria para eras pretéritas, para o olvido da história. Que uma vez tendo feito o "trabalho sujo" do Golpe Militar, para garantia da supremacia de certo empresariado e de políticos réprobos ou retrógrados, que cresciam em fortuna e em poder, alimentados pelas mamatas das grandes obras, num regime vigorou de 1964 a 1986, os militares não mais po sariam c omo paladinos da democracia.
Contudo, não é nada disso o que de vê no momento atual. Embora o regime inaugurado com ascensão a chefatura da República do Capitão Jair Messias Bolsonaro, não seja formalmente militar, é óbvio e ululante a tutela e ingerência dos militares, de setores da Forças Armadas nas Instituições, nos aparelhos de Estado, nos órgãos de gestão e nos Poderes da República, sem exceção nem mesmo do Poder Judiciário.
Sem sombra de dúvidas o que se assiste é o país tornar-se um Estado Policial, uma enorme Delegacia de Polícia. É verdadeiramente a ascensão das viúvas "frotistas", daqueles que estavam em torno do General Sylvio Frota, dos que foram desautorizados pelas ações que resultaram na morte do operário Santos Dias, operário metalúrgico brasileiro e membro da Pastoral Operária de São Paulo, os que mais uma vez, a exemplo do que ocorrera em 1969, tentaram um golpe dentro do golpe, para impedir o andejar da abertura lenta e gradual planejada pelos Generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto Silva. Um dissimulado de revanchismo contra o movimento de redemocratizaç&atil de;o e c ontra a abertura política patrocinada pelo General Geisel, que desaguou na Constituição de 1988.
De fato, no nosso tempo tumultuado, que a Imprensa, e os Ingênuos por ela enganados, afirmam ser de plena e vigorosa Democracia, de um aparentemente pleno funcionamento das Instituições, haja vista a mal disfarçada outorga de uma nova Constituição à República, sob o formato almejado pelo grosso do empresariado e dos autoritários, de suposta separação dos Poderes, trata-se de na verdade de um grandíssimo outono, de um estágio de marrom penumbral, em que a República está sob a tutela mal disfarçada tutela dos militares, na expectativa de um inverno, de uma ditadura aberta, com o apoio incontestável da plutocracia e de setores majoritários dos aparelhos de Estado, vinculados aos chamados setores da Segurança Pública, ditadura que não são sabemos o quão será longa, posto que se trata de condição necessária para prevalência do desmantelamento do Estado e imposição da lógica hobbesiana do homem com lobo do próprio homem, e, a reação contra as atrocidades dependerá exclusivamente da sociedade, que infelizmente, na atual quadra, se encontra bestificada, senão manietada.
* MIGUEL DOS SANTOS CERQUEIRA, Defensor Público do Estado de Sergipe, Estudioso de História e Filosofia e militante de Direitos Humanos