Quinta, 25 De Abril De 2024
       
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Héloa e o rio


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Publicado em 03 de setembro de 2021
Por Jornal Do Dia


Meio macumbeira, meio índia

 

Rian Santos
‘Afluentes’, eis o nome do primeiro filme-show realizado por Héloa, a ser divulgado no próximo dia 09, por meio do YouTube. A partir de um compilado de 16 faixas, com releituras de canções já conhecidas pelo público, o filme celebra seus 15 anos de carreira, com produção e direção do multi-instrumentista e produtor Yuri Queiroga.
Para além da festa, no entanto, o produto tem razão ainda maior de ser. Em breve, afinal, o São Francisco não passará de metáfora, uma triste alusão à falência espiritual de um povo ingrato, alheio ao próprio pedaço de chão. Vira e mexe, alguém molha os pés em suas margens e coloca a boca no mundo. Enquanto isso, contudo, os ribeirinhos vão vivendo como podem, fadados a desaparecer junto com o rio.
Héloa esteve lá, de corpo e alma. ‘Opará’ (2019), seu álbum mais recente, evoca as divindades da água doce para entoar um verdadeiro grito de resistência em favor de tudo o quanto tem raiz, vibra, respira, emana, transborda e flui. 
Seis anos se passaram desde a estreia de Héloa. O primeiro registro, o EP ‘Solta’ (2013), reuniu a nata da cena local em um esforço de afirmação que, se resultou precipitado em diversos aspectos, também preveniu os desavisados sobre a existência da moça. Depois, já de mala e cuia na paulicéia desvairada, ela voltou à carga com o álbum ‘Eu’ (2016). O disco contou com o balanço esperto de antes e um pouco mais de tutano. Pena que a mão do produtor Daniel Groove tenha pesado a ponto de o rapaz se pronunciar mais do que a própria cantora. ‘Opará’, ao contrário, é talvez o primeiro trabalho realmente autoral de Héloa. Agora, a sua voz soa mais alto como tem de ser, ela manda, desmanda, assume todos os riscos.
De repente, há urgência. A agenda predatória do governo federal colocou a pauta ambiental no centro do debate político. O desmatamento acelerado da Amazônia, por exemplo, é condenado por algumas das maiores potências econômicas do mundo, com o poder de impor sanções comerciais ao Brasil. Do São Francisco, o rio Opará da tribo Kariri-Xocó, no entanto, pouco se fala. Assoreado, sem volume para movimentar as turbinas das usinas hidrelétricas e ainda prover o sustento das comunidades banhadas por suas águas, o Velho Chico agoniza sob o arbítrio de podres poderes, em função do acúmulo do vil metal.
Diferente deste jornalista, Héloa passa longe de considerar a morte do São Francisco um fato consumado. Meio macumbeira, meio índia, ela ataca de rojão, atabaques, entidades e synths. Nas armas eleitas para o combate travado nas dez faixas de ‘Opará’, bem como no filme ‘Afluentes’, reside a maior importância e o significado profundo de seu empenho de artista.

Rian Santos

‘Afluentes’, eis o nome do primeiro filme-show realizado por Héloa, a ser divulgado no próximo dia 09, por meio do YouTube. A partir de um compilado de 16 faixas, com releituras de canções já conhecidas pelo público, o filme celebra seus 15 anos de carreira, com produção e direção do multi-instrumentista e produtor Yuri Queiroga.
Para além da festa, no entanto, o produto tem razão ainda maior de ser. Em breve, afinal, o São Francisco não passará de metáfora, uma triste alusão à falência espiritual de um povo ingrato, alheio ao próprio pedaço de chão. Vira e mexe, alguém molha os pés em suas margens e coloca a boca no mundo. Enquanto isso, contudo, os ribeirinhos vão vivendo como podem, fadados a desaparecer junto com o rio.
Héloa esteve lá, de corpo e alma. ‘Opará’ (2019), seu álbum mais recente, evoca as divindades da água doce para entoar um verdadeiro grito de resistência em favor de tudo o quanto tem raiz, vibra, respira, emana, transborda e flui. 
Seis anos se passaram desde a estreia de Héloa. O primeiro registro, o EP ‘Solta’ (2013), reuniu a nata da cena local em um esforço de afirmação que, se resultou precipitado em diversos aspectos, também preveniu os desavisados sobre a existência da moça. Depois, já de mala e cuia na paulicéia desvairada, ela voltou à carga com o álbum ‘Eu’ (2016). O disco contou com o balanço esperto de antes e um pouco mais de tutano. Pena que a mão do produtor Daniel Groove tenha pesado a ponto de o rapaz se pronunciar mais do que a própria cantora. ‘Opará’, ao contrário, é talvez o primeiro trabalho realmente autoral de Héloa. Agora, a sua voz soa mais alto como tem de ser, ela manda, desmanda, assume todos os riscos.
De repente, há urgência. A agenda predatória do governo federal colocou a pauta ambiental no centro do debate político. O desmatamento acelerado da Amazônia, por exemplo, é condenado por algumas das maiores potências econômicas do mundo, com o poder de impor sanções comerciais ao Brasil. Do São Francisco, o rio Opará da tribo Kariri-Xocó, no entanto, pouco se fala. Assoreado, sem volume para movimentar as turbinas das usinas hidrelétricas e ainda prover o sustento das comunidades banhadas por suas águas, o Velho Chico agoniza sob o arbítrio de podres poderes, em função do acúmulo do vil metal.
Diferente deste jornalista, Héloa passa longe de considerar a morte do São Francisco um fato consumado. Meio macumbeira, meio índia, ela ataca de rojão, atabaques, entidades e synths. Nas armas eleitas para o combate travado nas dez faixas de ‘Opará’, bem como no filme ‘Afluentes’, reside a maior importância e o significado profundo de seu empenho de artista.

 

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