O livro será lançado na sexta-feira, às 9 horas, no auditório da Adufs, com um debate sobre “As Mulheres Contra a Ditadura”
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Livro de Afonso Nascimento retrata memória recente de Sergipe
Publicado em 29 de janeiro de 2025
Por Jornal Do Dia Se
* Gilvan Manoel
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O livro A Luta pelo Poder – Ensaios sobre indivíduos e grupos políticos de Sergipe deixa o professor Afonso Nascimento muito à vontade para tratar de temas que tem amplo conhecimento, e revela uma admiração por duas mulheres que tiveram atuante militância de esquerda num período em que o Brasil vivia uma ditadura militar: a advogada Zelita Correia e a professora e ex-deputada estadual Ana Lúcia.
Apesar de os ensaios terem sido escritos em momentos distantes do período em que aconteceram, Afonso Nascimento usou a força da pesquisa para retratá-los quase como um repórter. É o caso do texto que abre esta publicação, em que trata dos problemas enfrentados pelo professor Silvério Leite Fontes com as forças de repressão, num longínquo 1963, devido à sua liderança numa greve dos professores, inédita até então. O caso volta a ser retratado mais à frente, mostrando que setores do movimento estudantil eram contrários à greve dos professores.
É de se destacar o papel do então procurador-geral da República Osman Hora Fontes, que também era professor da Universidade Federal de Sergipe, e tratou, nessa condição, de manter o Departamento de Direito longe das garras do regime militar e proteger, agindo sempre nos bastidores, opositores da ditadura.
Aproveita o momento em que retrata o seu ingresso como professor da UFS, em 1994, para mostrar as dificuldades enfrentadas por outros professores que tinham militância nos movimentos sociais e sindicais para ingressar na UFS, devido à presença de um braço do SNI na instituição. Cita especificamente os casos dos professores José Anderson Nascimento, mesmo sendo advogado da Arena, partido que dava sustentação ao regime militar, Elias Hora Espinheira, e Moacyr Soares da Motta.
Em “A Censura na UFS: Não houve queima de livros”, mostra que o Festival de Arte de São Cristóvão, ao longo de 23 anos, foi sempre submetido aos órgãos de segurança, que tinham conhecimento prévio dos trabalhos que seriam expostos. A censura foi intensa no período de 1968, ano de criação da Universidade, até 1978.
Os órgãos do regime militar tinham preocupação adicional com a organização do movimento estudantil, efetuando vigilância permanente contra estudantes e professores que se destacavam na organização de entidades como o DCE e associações de professores e funcionários. Havia orientação para a censura de livros, como no caso de todas as publicações da Editora Zahar, especializada em ciências sociais.
Retrata as dificuldades impostas pelo AI nº 5, revogado apenas em 1978, na organização de entidades por parte dos professores e funcionários, mas destaca a ousadia dos estudantes na reabertura do Diretório Central dos Estudantes em 1975. Somente em 1979, professores e funcionários conseguiram fundar uma associação que reunia as duas categorias – hoje estão separadas; existem a Adufs (professores) e Asufs (funcionários).
A participação dos professores nas eleições é destacada pelo autor, principalmente na organização do Partido dos Trabalhadores no início dos anos 1980, que teve a participação, entre outros, de Josué M. Passos, que mais à frente se transformou em reitor da instituição. O ativismo estudantil de Marcelo Déda dentro da UFS é tema de outro ensaio que mostra a ampla militância política que ele conquistou no movimento estudantil, mesmo não tendo se destacado no movimento secundarista como líder político, apenas como um interessado pelas artes. Ressalta que a partir da universidade, Déda despertou intelectualmente e passou a ter ambições políticas.
Retrata fatos como a ousadia do então presidente do DCE, José Luiz Gomes, que queria entregar uma carta dos estudantes ao então ditador Ernesto Geisel durante visita ao estado pedindo a liberação de Cajá, um líder estudantil de Pernambuco que se encontrava preso. Acabou detido com dois colegas, mas sem maiores consequências e pôde seguir sua carreira política na universidade.
Faz análise do Estado e modernidade, tratando da crise vivida pelo estado especificamente no final da década de 1990 e mostra que de Cristóvão de Barros a Albano Franco, Sergipe não conseguiu pôr de pé um Estado moderno, burguês – no sentido positivo do termo -, e critica a permanente reforma do Estado vivida pelo país.
Mostra que o estado de Sergipe possui uma sociedade civil tutelada, onde os poderes são controlados por inúmeras entidades civis, a exemplo de momentos sociais, partidos, poderes e a discrepância entre a situação dos municípios sergipanos. Destaca que os partidos políticos não dependem dos seus filiados, porque são financiados pelo Estado brasileiro, analisa que o poder de pressão dos trabalhadores é muito limitado mesmo quando organizados, ao contrário do que ocorre com entidades empresariais.
Sobre a advogada Zelita Correia, Afonso Nascimento retrata que a sua militância começou em 1961, logo após ingressar na Faculdade de Direito, com ramificações religiosas. O golpe militar de 1964 fez com que assumisse riscos, mesmo não sendo marxista nem comunista. Passou a enfrentar dificuldades com os colegas de faculdade, a sua prisão no 28º Batalhão de Caçadores, onde ficou por 52 dias, os vigorosos interrogatórios – sem tortura -, a difícil conclusão do curso de Direito, a negativa da OAB-SE em permitir que advogasse no estado, sendo forçada a migrar para Salvador, onde se filiou na OAB-BA, o retorno ao estado, a liderança na campanha pela anistia até se transformar em procuradora do estado indicada pela então primeira-dama Maria do Carmo Alves
O livro é encerrado com uma série de análises sobre a ex-deputada estadual Ana Lúcia, o seu protagonismo como dirigente sindical e líder de um grupo dentro do Partido dos Trabalhadores. Elogia o seu desempenho como parlamentar na Assembleia Legislativa, onde exerceu quatro mandatos sucessivos, e conclui: “Em sentido geral, ela dignificou a política sergipana como ninguém”.
A Luta pelo Poder – Ensaios sobre indivíduos e grupos políticos de Sergipe deve ser lido pelos que se interessam pela história recente da política sergipana. Afonso Nascimento é um dedicado pesquisador e um grande narrador.
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* Gilvan Manoel, jornalista, é editor do Jornal do Dia (Texto de apresentação do livro A Luta pelo Poder – Ensaios sobre indivíduos e grupos políticos de Sergipe, do professor Afonso Nascimento)