Segunda, 12 De Maio De 2025
       
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O jogo imemorial da corrupção


Publicado em 19 de fevereiro de 2020
Por Jornal Do Dia


 

* Antonio Passos
O jogo da corrupção, embora secreto, permaneceu oficialmente garantido logo nos primeiros arranjos institucionais do novo país. Foi uma vindicação dos senhores da economia, sustentada no argumento do respeito a um imemorial e hereditário costume. Para que a operação do sistema continuasse discreta ficou estabelecido que todas as tratativas dos tutunqués da pólvora, das terras e dos metais com o monarca seriam feitas sob a furtiva designação A Companhia (em um ou dois entre os raríssimos documentos perdoados pelo fogo ou por trituradores de papel, consta A Firma como uma variação da denominação do grupo).
No apagar das luzes de cada ano, após um lauto jantar, era feito o sorteio de uma loteria entre a restrita casta. Havia uma gradação de premiações. Aquele sorteado com o primeiro prêmio estaria autorizado a operar as maiores fatias da corrupção no ano seguinte, mais uma meia dúzia ganhava lotes corruptíveis menores. Para quem nada ganhasse restaria o cordial escárnio dos sorteados e a esperança de faturar lotes na loteria seguinte. Concluído o sorteio anual, A Companhia encaminhava a lista dos ganhadores ao imperador. De tudo o que a corrupção abocanhasse um percentual era enviado a título de regalo ao soberano político, outro alimentaria um fundo voltado para a boa saúde da organização e a maior parte abarrotava o bolso dos ganhadores da loteria. Num dado momento o país trocou a monarquia por uma república, porém, nada mudou. A operação permaneceu e foi adaptada para todas as novas esferas da administração pública.
Contudo, além dos ventos da renascença republicana, uma onda democrática também alcançou o paradisíaco país. Com isso chegou-se ao ponto no qual alguns governantes, tanto federais quanto estaduais e municipais, aqui e ali, começaram a não acatar as cartas de recomendação enviadas por A Companhia. Após um mal estar inicial, novas estratégias foram introduzidas. A Companhia passou a infiltrar alguns de seus disfarçados membros ou prepostos no serviço público e nas equipes dos governos. Assim, quando o governante era simpático ao negócio tudo continuava como antes; quando não, as negociatas passavam a ser feitas em escalões abaixo do poder central, em ministérios e secretarias. Se, mesmo assim, a resistência do mandatário continuasse, A Companhia tratava de denunciá-lo aos tribunais atribuindo ao governante todas as roeduras realizados pelos seus próprios membros ou prepostos. De modo geral, os novos métodos tornaram-se abundantemente exitosos.
Com essa engenhosa tática e não sem as escoras de um sistema de comunicação tautológica e de poderosos servidores de carreira do estado, A Companhia impôs uma sofisticada e plena inversão na percepção pública sobre a incidência de corrupção – quanto mais corrupção, mais invisibilidade; quanto mais resistência à concentrada, organizada e imemorial corrupção, mais escândalo e opróbrio.
* Antonio Passos é jornalista

* Antonio Passos

O jogo da corrupção, embora secreto, permaneceu oficialmente garantido logo nos primeiros arranjos institucionais do novo país. Foi uma vindicação dos senhores da economia, sustentada no argumento do respeito a um imemorial e hereditário costume. Para que a operação do sistema continuasse discreta ficou estabelecido que todas as tratativas dos tutunqués da pólvora, das terras e dos metais com o monarca seriam feitas sob a furtiva designação A Companhia (em um ou dois entre os raríssimos documentos perdoados pelo fogo ou por trituradores de papel, consta A Firma como uma variação da denominação do grupo).
No apagar das luzes de cada ano, após um lauto jantar, era feito o sorteio de uma loteria entre a restrita casta. Havia uma gradação de premiações. Aquele sorteado com o primeiro prêmio estaria autorizado a operar as maiores fatias da corrupção no ano seguinte, mais uma meia dúzia ganhava lotes corruptíveis menores. Para quem nada ganhasse restaria o cordial escárnio dos sorteados e a esperança de faturar lotes na loteria seguinte. Concluído o sorteio anual, A Companhia encaminhava a lista dos ganhadores ao imperador. De tudo o que a corrupção abocanhasse um percentual era enviado a título de regalo ao soberano político, outro alimentaria um fundo voltado para a boa saúde da organização e a maior parte abarrotava o bolso dos ganhadores da loteria. Num dado momento o país trocou a monarquia por uma república, porém, nada mudou. A operação permaneceu e foi adaptada para todas as novas esferas da administração pública.
Contudo, além dos ventos da renascença republicana, uma onda democrática também alcançou o paradisíaco país. Com isso chegou-se ao ponto no qual alguns governantes, tanto federais quanto estaduais e municipais, aqui e ali, começaram a não acatar as cartas de recomendação enviadas por A Companhia. Após um mal estar inicial, novas estratégias foram introduzidas. A Companhia passou a infiltrar alguns de seus disfarçados membros ou prepostos no serviço público e nas equipes dos governos. Assim, quando o governante era simpático ao negócio tudo continuava como antes; quando não, as negociatas passavam a ser feitas em escalões abaixo do poder central, em ministérios e secretarias. Se, mesmo assim, a resistência do mandatário continuasse, A Companhia tratava de denunciá-lo aos tribunais atribuindo ao governante todas as roeduras realizados pelos seus próprios membros ou prepostos. De modo geral, os novos métodos tornaram-se abundantemente exitosos.
Com essa engenhosa tática e não sem as escoras de um sistema de comunicação tautológica e de poderosos servidores de carreira do estado, A Companhia impôs uma sofisticada e plena inversão na percepção pública sobre a incidência de corrupção – quanto mais corrupção, mais invisibilidade; quanto mais resistência à concentrada, organizada e imemorial corrupção, mais escândalo e opróbrio.

* Antonio Passos é jornalista

 

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