OS MILITARES DELATADOS DO SETOR MILITAR DO MAJOR JOÃO TELES
Publicado em 16 de dezembro de 2022
Por Jornal Do Dia Se
Afonso Nascimento
O objetivo deste artigo é expor as atividades e os posicionamentos da esquerda armada militar presa em Aracaju, em 1964, num processo contra o major João Teles, instaurado pelo Exército em Sergipe. Para isso, toma-se em consideração as várias testemunhas que depuseram, não só contra ele, mas também contra outros militares a ele associados. As testemunhas não descrevem como funcionava o Setor Militar do PCB, mas dão uma ideia de como eram as suas atividades e o que essa esquerda comunista pensava. O foco principal está centrado, portanto, nos militares denunciados como subversivos ou comunistas. Os depoimentos das testemunhas ocorreram, à exceção de um caso, antes do depoimento do major e todos foram tomados seis meses após o golpe militar de 1964.
As testemunhas são usadas como um meio de aquisição de provas e elas são todas militares e o seu depoimento é acusatório. A intenção do interrogatório era obter provas de que o major e o seu grupo praticavam atividades subversivas. Independentemente de razões subjetivas das testemunhas, observou-se em alguns casos motivações carregadas ideologicamente de anticomunismo.
Ponto importante a ser destacado é que a célula do Setor Militar estava localizada na 19ª. Circunscrição de Recrutamento (doravante CR), uma seção do Exército brasileiro não subordinada ao 28º. BC, que tinha seu próprio comandante e sua autonomia institucional. Isso não impedia a existência de militares comunistas ou de esquerda no 28º. BC. e, lá, foram encontrados dois casos devidamente registrados. Trato a seguir das testemunhas. Quem eram elas?
As testemunhas eram todas sergipanas, menos uma nascida em Alagoas. Eis aqui os seus nomes: Edildécio Mendonça: 3º. sargento aracajuano trabalhando na 19ª. CR, 27 anos; Rosalvo Teixeira Machado: 2º. tenente nascido em Lagarto, 46 anos, trabalhando na, 19ª.CR.; Antônio Barreto Cardoso: 2º. tenente,40 anos, Aracaju, casado, militar, servindo na 19ª. CR; Antônio Tavares dos Santos: 2º. tenente nascido em Itabaiana, 44 anos, trabalhando na 19ª.CR; Aloísio Tavares Santos: capitão natural de São Braz, Alagoas, tendo trabalhado na 19ª. CR, 44 anos, e sendo deputado estadual duas vezes pela UDN e pela ARENA. É isso o que documento do SNI diz sobre essa testemunha: “Politicamente é tido como personalista, inescrupuloso. Ligado ao grupo do senador Leandro Maciel”; Amintas Barreto: cabo aracajuano, trabalhando no 28º. BC, 28 anos; José Leonardo Machado Barreto de Menezes: 3º. sargento natural de Capela, 30 anos, trabalhando na 19ª. CR; e Leopoldo Manoel de Souza: Ex-cabo nascido em Neópolis, 24 anos, estudante, funcionário da Cerâmica Santa Cruz.
Essas testemunhas (ou delatores) formam, como se pode ler, um misto de oficiais e de militares subalternos. A esse grupo deve ser incluído o interrogador e responsável pelo Inquérito Policial Militar (IPM), major Joalbo Rodrigues de Figueiredo Barbosa, cujas perguntas às vezes eram verdadeiras acusações e, em outras ocasiões, eram pedidos de opinião, pedidos de informação, perguntas hipotéticas e perguntas abertas e fechadas.
Sete militares foram delatados pelas testemunhas, todos da ativa, sendo a exceção o major João Teles, o único militar reformado. Estes foram os três nomes mais importantes: João Teles, Hector Araújo, e Joaquim Alves Rabelo. Começo pelo major sergipano. O major João Teles foi preso três vezes por causa de atividades consideradas subversivas ou comunistas, a saber, em 1952, em 1964 e em 1970 (Estou descartando aqui, portanto, prisões ocorridas no tempo em que o major não era comunista.). Não foram encontrados os processos de 1952 e o de 1970.
No caso do processo de 1964, ele prestou dois depoimentos, respectivamente, em 27 de agosto de 1964, a pedido do 4º. Exército, sediado em Recife e em 5 de setembro de 1964. Em artigo anterior intitulado “O depoimento do major João Teles”, escrevi sobre o segundo depoimento que trata também de suas atividades no Setor Militar. No segundo depoimento do major (que é cronologicamente o primeiro), o que pode ser novidade em relação ao outro? Acho que pode ser destacado o interesse do interrogador sobre a relação entre o major e Robério Garcia. Vivendo na mesma cidade, disse o major se conheciam desde criança, mas nada além disso. Queria saber se esse comunista era o chefe do PCB em Sergipe. Em seguida, o major foi inquirido sobre o dentista (aparentemente militar) José Viana da França Prudente e se ele e Robério Garcia tiveram reuniões na casa do profissional liberal. O major negou as ligações procuradas pelo inquiridor e afirmou que suas relações não iam além da compra dos serviços do dentista. Sobre sua relação com Hector Araújo, disse que não ia à casa de Hector Araújo acompanhado de pessoas estranhas. Da mesma forma que no segundo processo, citou o político udenista Leandro Maciel como “prova de sua inocência”.
Sobre Hector Araújo, consegui as seguintes informações em outro documento do SNI. Era tenente. Natural de Santana do Livramento, RS, nascido em 14.2.1920. Foi transferido do Rio Grande do Sul para Sergipe. No seu currículo político tem uma prisão por suspeita de ser comunista. Foi comandante da 19ª. CR. do Exército em Aracaju. Comunista, exonerado pelo Ato Institucional no. 01. Pertenceu à Associação Democrática Nacionalista de Militares (ADNAM). Depois de Aracaju, foi transferido para o Rio de Janeiro. Era brizolista e amigo do major e de Joaquim Alves Rabelo. Mantinha volumosa correspondência e pouco se dedicava a suas atividades funcionais, se concentrando em questões de assistência social de conteúdo político. O tenente Hector Araújo tinha no seu círculo de amigos os conhecidos comunistas Agonalto Pacheco (ativista que comandou doze greves no serviço público, era presidente da Associação dos Servidores Públicos de Sergipe) e Manuel Messias dos Santos (líder comunista e presidente do Sindicato da Construção Civil também de Sergipe).
Já em relação a Joaquim Alves Rabelo, ele é chamado durante o interrogatório de tenente Rabelo. Não foi possível dados sobre sua naturalidade. Embora o major João Teles fosse o alvo do inquérito, Rabelo recebeu das testemunhas o maior número de referências ou de acusações. Foi transferido de fronteira para Aracaju antes de 1964. Em 1952, quando trabalhava no Tiro de Guerra de Itabaiana, foi denunciado como comunista. O seu nome estava associado ao médico Renato Mazze Lucas, conhecido comunista itabaianense. Precisou recorrer ao “coronel” Euclides Paes Mendonça e a juízes amigos desse político, para que a denúncia contra si fosse arquivada.
Rabelo também era simpatizante do PCB e considerado brizolista. Quando ocorreu a polêmica Lionel Brizola e o jornalista David Nasser, tomou partido abertamente do lado do político gaúcho. Supostamente frequentava células comunistas em Aracaju. Mantinhas estreitas relações de amizade com o major João Teles e o tenente Hector Araújo. Certa vez, depois do golpe militar de 1964, teria dito que o general Amauri Kruel deveria ter os testículos cortados por ter traído o presidente João Goulart como ministro da Guerra e como comandante do 2º. Exército. Em Aracaju, frequentou a Fundação Manuel Cruz e um Curso do Método Paulo, para entender como era feita a rápida alfabetização. Além de Brizola, também era defensor de Arraes e de Goulart. Supostamente dava um tratamento diferenciado aos subalternos ligados a ele. No dia do golpe militar de 1964, foi colocado sob vigilância. Repetiu por diversas vezes que não acreditava no que o noticiário político dizia sobre a queda de Goulart.
Os demais militares da esquerda armada referidos pelas testemunhas foram os seguintes: José Augusto: sargento do 28º. BC, preso por ser considerado comunista; João Silvestre: sargento do 28º. BC.; Ubaldo Rivarola Acierre: 1º. tenente, preso e processado com o major João Teles em 1952; e Pedro Suzarte: 2º. tenente, preso com o major João Teles em 1952. Não foram encontradas outras informações sobre esses quatro militares, todos acusados de comunistas. Tomado em sua totalidade, também nesse grupo de militares delatados há uma mistura de oficiais e militares subalternos. Entre eles, os dois mais importantes (Hector Araújo e Joaquim Alves Rabelo) são militares transferidos e brizolistas. Aqui é preciso acrescentar que a transferência era usada como um instrumento administrativo para mandar esquerdistas ou comunistas para outras unidades do Exército brasileiro – o que também é válido para outras motivações.
Deixei para destacar nessa conclusão duas acusações gravíssimas que fizeram Hector Araújo e Joaquim sobre Aloísio Tavares dos Santos e o major Lário Serrano, este comandante da 19. CR. Segundo a testemunha Antônio Tavares dos Santos, Hector Araújo certa vez afirmou que “Aloísio Tavares Santos possuía casa própria e automóvel porque recebia do Conselho de Segurança Nacional a importância de R$ 5.000,00 por cada pessoa que denunciasse como sendo comunista, palavras essas confirmadas por Joaquim Alves Rabelo”. Além disso, existiriam dois supostos casos de militares espiões. Por conta disso, Hector Araújo prometeu transferir (esse é então um caso de uso político da transferência por um militar de esquerda) os tenentes Rosalvo Teixeira Machado e Cândido Rabelo Leite porque considerava aqueles dois tenentes como espiões e anticomunistas.
De acordo com a testemunha Antônio Tavares dos Santos, Joaquim Alves Rabelo teria dito que “a kombi pertencente ao major Lário Serrano, comandante da 19ª. CR, não tinha sido adquirida pelo sogro do major e, sim, comprada pelo dinheiro do IBAD, porque o citado major era considerado revolucionário, elemento pertencente à burguesia e que ingressara nas fileiras do Exército para servir de ponta de lança aos interesses do alto poder econômico”. O Instituto Brasileiro de Ação Democrática (ou IBAD) foi uma organização fundada com o objetivo de combater o comunismo no Brasil, financiada especialmente por empresas norte-americanas.
Afonso Nascimento, professor de Direito Aposentado.