Há quarenta e cinco anos…(Divulgação)
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Presente de grego
Publicado em 07 de junho de 2025
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
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No dia seis de junho de 1980, meu pai completou vinte e sete anos. Naquele dia, minha mãe chegou em casa com uma trouxa nos braços e, com muito cuidado, entregou o balaio ao aniversariante. Era o seu primeiro filho homem.
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No início, eu me limitava a apalpar o mundo com olhos curiosos, estranho a tudo que não cheirasse a colo materno. Depois viriam os dentes, grunhidos ansiosos, doidos pra rebentar em verbo, alguma inquietação e, se Deus permitir, um bocado de cabelo branco.
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Cada passo era acompanhado com muita apreensão. Passos de gigante disposto a pisar à toa, ao sabor dos tropeços. Passos de quem nunca aprenderia a andar direito na vida.
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Quando meu pai me tomou nos braços pela primeira vez, há exatos quarenta e cinco anos, eu chorei muito e ele me ergueu bem alto, como quem ostentasse um troféu. Com o tempo, no entanto, as lágrimas secaram e o dourado foi perdendo brilho. Eu virei um moleque feio, cheio de espinhas, incapaz de encarar as meninas na rua.
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Naquela altura, diferentes em quase tudo, contrariando o signo que nos rege, uma única inclinação nos aproximou. O velho fazia vista grossa para a minha timidez, e me arrastava numa peregrinação interminável pelos botecos da cidade. De bar em bar, acabamos nos tornando amigos.
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Parceiros de copo, vocês sabem, não costumam medir as palavras. Colocam as cartas na mesa sem um pingo de constrangimento.
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A irmandade das bodegas abraça um corno triste e os jogadores derrotados da terceira divisão com o mesmo sorriso enternecido. Não existe dinheiro curto ou coceira no cacete poupada pela conversa. Foi em meio a esse gênero de honestidade que eu conheci o homem que pagava as contas lá em casa.
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Não fosse a cerveja, eu nunca saberia que, além de sustentar quatro filhos ingratos e educá-los com toda a sorte de sacrifícios, meu pai afundava no lodo escuro das paixões, o coração fustigado como um pedaço de pano largado no vento. Do legado construído para a nossa família, tomei posse dessa lição e a guardei como um segredo valioso, só pra mim.
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Há exatos quarenta e cinco anos, em seis de junho de 1980, eu cheguei em casa num cesto e roubei o aniversário de meu pai. Fui recebido como um presente.