**PUBLICIDADE
Publicidade

Sobre a fome: uma visão executiva do abastecimento alimentar


Publicado em 04 de fevereiro de 2022
Por Jornal Do Dia Se


Rubens Costa Boffino

As questões estruturais político-institucionais e econômicas (como o passado colonial, as monoculturas exportadoras, commodities, variação cambial, inflação, desemprego, renda per capita), cujas soluções têm horizonte de resolução superior às demandas cotidianas de nossa alimentação, são antigas e presentes e provocam (ram) fome no país. Há registro histórico de que a primeira crise de abastecimento no Brasil ocorreu em 1870.
As variações de preços dos alimentos que implicam fome aos mais pobres têm amplitude geográfica global (Ásia, África e América Latina) e temporal. A menos que ocorra consistente política de garantia de renda, a inacessibilidade dos mais pobres aos alimentos, cujos preços são instáveis, tende a perdurar no mundo e no Brasil. Não podemos permanecer alheios à essa perspectiva, seja porque a alimentação é um direito social nos termos de nossa Carta Magna, seja porque fornecer alimentos saudáveis e a preços acessíveis necessariamente faz parte integrante das políticas públicas de desenvolvimento nacional.
Em nosso país há condições de consumir alimentos saudáveis e a preços acessíveis, respeitadas as peculiaridades produtivas e hábitos alimentares regionais.
A cadeia produtiva de alimentos é complexa e extensa. Além da produção de alimentos nos campos, temos o envio aos centros de distribuição e posterior atendimento aos consumidores em seus locais de preparo e consumo.
Devemos destacar na cadeia produtiva os centros de distribuição ou como são conhecidos os entrepostos de alimentos ou ainda as centrais de abastecimento, as quais, ademais de constituírem elo entre a produção e o consumo, têm prestado amplos serviços em termos de pesquisas técnicas e econômicas, assim como ações pedagógicas em prol da melhor alimentação e humanitárias como os bancos de alimentos.
É também responsabilidade dessas estruturas registrar o preço dos alimentos no país. São pescados, hortifrútis, leguminosas, grãos, proteínas, enfim a precificação dos alimentos da cesta básica e outros tantos.
Ademais das cotações diárias dos preços no atacado na CEAGESP – Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo, temos o Índice de Preços CEAGESP que “… é o primeiro balizador de preços de alimentos frescos no mercado. Trata-se de um indicador de variação dos valores praticados no atacado de frutas, legumes, verduras, pescado e diversos (alho, batata, cebola, coco seco e ovos). O levantamento, que foi lançado em 2009, é elaborado pela Seção de Economia e Desenvolvimento (SEDES) da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP). Divulgados mensalmente, os 150 itens que compõem a cesta de produtos são escolhidos pela importância dentro de cada setor e ponderados de acordo com a sua representatividade. “. (https://ceagesp.gov.br/indice-ceagesp/)
A atividade de pesquisa de preços da comercialização atacadista, realizada pela CEAGESP, está intimamente ligada a própria história das centrais de abastecimento. Nestes 60 anos da CEAGESP, os preços estiveram sempre disponíveis aos produtores rurais, permissionários atacadistas e consumidores, auxiliando às negociações e trazendo maior transparência a todos os envolvidos na comercialização. Esse índice deve ser essencial, devendo ser referência para o setor de hortifrutícolas no que se refere a indicadores de preços.
Em 2021 o índice acumulado CEAGESP foi 3,56% enquanto os índices acumulados do IPCA e do INPC foram 10,08% e 10,13% respectivamente. Os índices Alimentos e Bebidas do IPCA e do INPC (ao lado de habitação, artigos de residência, vestuário, transportes, saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais, educação e comunicação) foram 7,93% e 57,59% respectivamente!
No caso do INPC que abrange população com 1 a 5 salários mínimos o impacto foi superior ao indicado pelo IPCA que abrange população de 1 a 40 salários mínimos.
Considerando os menores preços dos alimentos pesquisados no índice CEAGESP (frutas, legumes, verduras, pescado e diversos abrangendo alho, batata, cebola, coco seco e ovos), in natura e/ou minimamente processados, livres dos aditivos químicos dos produtos industrializados e que representam os próprios macro e micronutrientes necessários à alimentação, é de se refletir porque a população é exposta aos discrepantes índices apontados pelo IPCA e INPC de alimentos e bebidas.
A hipótese é que não somos alienados, necessitamos políticas públicas mais consistentes e permanentes. Independente de sermos mais pobres ou mais ricos e dos nossos repertórios individuais, sabemos o que é “saudável”. Temos exuberante e diversificada cultural alimentar, conhecimento advindo da familiaridade e ancestralidade.
O que há são as vicissitudes da “vida moderna”, desigual e excludente. No caso da alimentação saudável, são também outros fatores como as alterações dos nossos hábitos alimentares, conforme pesquisas do P.O.F. – IBGE, consumindo mais os alimentos ultraprocessados e processados considerando a pressa contemporânea, menor tempo para o preparo de alimentos, marketing falacioso dos alimentos rápidos e fáceis de consumir, o consumismo de marcas e símbolos (como também nos vestuários e outros produtos) que supostamente dão prestígio e diferenciação social.
A escala da demanda nacional por alimentos impõe articular toda cadeia de abastecimento alimentar. É preciso focalizar a perene distribuição de alimentos, preços baixos e compatíveis com o bolso do cidadão, políticas públicas que amparem os que trabalham nessa cadeia, além de moderna logística, qualidade e distribuição, redução dos desperdícios e diversas outras inovações, beneficiando toda a população sem distinção de classes sociais. Prioridades às populações vulneráveis.
Nesta direção, outro componente de uma razoável política pública é a máxima aproximação entre a produção e o consumo, contemplando todas as modalidades de varejo difuso em termos de mercado de proximidade de alimentos saudáveis: quitandas, feiras livres, sacolões, espaços de comercialização do pequeno produtor etc. ,dependendo das peculiaridades locais e regionais das formas varejistas existentes que podem ser dinamizadas, praticando Fair Trade (comércio justo) com dignidade no trabalho, respeito ao meio ambiente e demais princípios desse.
Na produção de alimentos sadios e limpos, máxima atenção e foco aos bens e serviços non tradables (não transacionáveis), cujas pessoas envolvidas têm menor voz que nos setores produtivos transacionáveis no exterior (tradables). Além de assistência técnica, extensão rural, crédito rural para custeio, investimento e comercialização, o que nos leva ao olhar de que o fortalecimento da cadeia alimentar também repercute nos setores secundário e terciário de maneira integrada.
Enfim, assim fortalecendo a cadeia de alimentos, tudo isso é trabalho, ações sustentáveis na geração de emprego e renda no enfrentamento do drama dos milhões de desempregados.
As meritórias iniciativas internacionais e nacionais compensatórias aos mais pobres são necessárias, afinal, além de todas as outras necessidades que definem a cidadania, a fome é cotidiana.
Contudo devemos analisar e buscar soluções mais permanentes quanto ao abastecimento alimentar em nosso país, onde convivemos com o paradoxo da abundância de produção alimentar ao lado da fome de 20 milhões de brasileiros com grave insegurança alimentar em situação miserável e degradante, dos oportunismos de mercado e da mesquinhez.

Rubens Costa Boffino, engenheiro químico, ex-presidente da CEAGESP (2008/2009), consultor nas áreas de desenvolvimento de biocombustíveis e projetos de inovação e desenvolvimento de cadeias de abastecimento alimentar

**PUBLICIDADE



Capa do dia
Capa do dia



**PUBLICIDADE


**PUBLICIDADE
Publicidade