Um autor de verdade

 

O jornalista Marcos Cardoso, profissional reconhecido pelo relato preciso dos fatos, é também um autor de verdade. 

Afirmo isso fiado na fotografia do amigo Pascoal Maynard – um flagrante introspectivo em preto e branco, da maior gravidade. Mas também me atenho à enxurrada de palavras despejadas sobre telas e papéis, ao longo dos últimos anos .No relato objetivo, assim como no exercício mais refinado da linguagem narrativa, Marcos Cardoso justifica cada vírgula empregada.

A faceta jornalística de Marcos Cardoso é conhecida e merecidamente comentada, premiada. Mas a verve ficcional do sujeito, menos divulgada, talvez, merece igual atenção.

Refiro-me ao romance ‘O anofelino solerte’  (Edise, 2018). Neste primeiro esforço ficcional, a prosa do sujeito escorre ligeira, sem mácula de afetação. Trata-se, como foi divulgado à época do lançamento, de um romance de formação, em termos clássicos. Mosquito, o personagem narrador, descobre-se homem feito enquanto solta pipa, joga bola, bate punheta, briga, namora. Tudo isso entre Salvador, Aracaju e Atalaia Nova. Como fica claro logo no primeiro capítulo – fabuloso, aliás, o ponto alto de todo o livro -, este processo será sempre pontuado por violência.

A alegria bruta da juventude é a principal força motriz da narrativa. Em seus melhores momentos, o bando de meninos com quem Mosquito apronta e experimenta o mundo em volta goza a liberdade própria de uma inocência quase completa. Eu disse “quase”… Legítima ou não, a autoridade representada pela família e os milicos (a história se passa nos anos de chumbo) tenta pôr freio aos impulsos dos moleques, por força de castigos, humilhações e ameaças.

Recomendo o romance de Marcos Cardoso, assim como os artigos de opinião publicados nas páginas políticas da aldeia. Digo e repito: trata-se aqui de um autor de verdade.