MACETANDO O APOCALIPSE
Publicado em 16 de fevereiro de 2024
Por Jornal Do Dia Se
* Lelê Teles
“Canta uma pequena Eva pra mim agora”, gritou Baby do Brasil, metida num babydoll evangélico antissexy.
Baby queria anunciar o “fim da aventura humana na terra”.
Veveta, porém, disse que não: “eu vou cantar o macetando porque Deus tá mandando o macetando certo”.
A multidão, seminua, puxou o coro:
“De ladinho, coraçãozinho, joga beijinho pra quem tá filmando”.
E assim, alegremente, foi cancelado o apocalipse no carnaval de Salvador.
“Macetando, macetando, macetando.”
Corta para Brasília, um ano antes.
O ajudante de ordens, por trás de um vidro espelhado, apertou o rec da câmera.
Um diabo verdeamarelo gritou: “ação!”
E sete gárgulas, fardados, fizeram soar as trombetas, anunciando o fim dos tempos democráticos.
Montado num jumento branco, e usando o babydoll de baby, Jair Messias adentra a sala de reunião.
O general Heleno, seu fiel cão cérbero, cumprimenta os dois jumentos e abana o rabo sujo.
“Canta minha pequena Eva pra mim, meu capitão”, relinchou o general Braga Neto, com a língua de fora.
Então, Jair deu play em um áudio que recebera pelo zap.
A voz de barítono era de Bob Jefferson, que cantava, com galhardia, atrás das grades:
“Meu amor, olha só hoje o sol não apareceu.”
“É o fim da aventura humana na terra”, essa era a voz metálica do etê bilu.
“Meu planeta, adeus”, murmurou Olavo de Carvalho das profundezas do inferno.
“Fugiremos nós dois na arca de noé”, cantaram em coro, Leo Índio e Carluxo.
Ao final do jogral musical, Jair, numa linguagem ásnica e relinchante, anuncia a boa nova:
“A marinha aderiu ao golpe, agora vai”.
Sinistros ministros começaram a bater os cascos no chão, em frenética euforia.
Anderson Torres começou a rascunhar uma minuta no celular.
Pelo zap, Jair enviou a um dos seus advogados um pronunciamento sobre o estado de exceção.
“Imprime essa porra, seu filho da puta, e manda pro meu gabinete lá no peéle.”
Valdemar recebeu a impressão e ficou impressionado, botou uma pepita de ouro sobre o documento e deixou na mesa do burro chifrudo.
Uma espécie unicórnio com o intestino preso.
Em seguida, voltou a brincar de roleta russa com o revólver de um amigo.
Uma forma lúdica de espantar o tédio da capital.
Almir, o almirante, revelou ao chefe que estratejava uma entrada triunfal em Brasília, a partir do lago Paranoá.
A esquadra contaria com uma frota de jet skis, comandada por Carluxo.
À frente, na proa de uma corveta, viria Jair, de boca aberta feito uma carranca.
Dali partiriam para o stf, levando presos Xandão e Gilmar Mendes.
O tribunal passaria a ter apenas dois ministros, Nunes Marques e André Mendonça.
Dona Fátima de tubarão, indultada, se encarregaria de cagar nas nove cadeiras vazias.
Jornais e revistas progressistas seriam fechados.
A comunicação oficial ficaria sob o comando do gabinete do ódio.
Allan dos Santos comandaria o Jornal Nacional, ao lado de Augusto Nunes.
O mastro de kid bengala seria usado como molde e substituiria todos os mastros de bandeira Brasil afora.
Na praça dos três poderes, o corpo de Xandão estaria pendurado num cadafalso, a careca recebendo cascudo de abutres.
Zé trovão assumiria o Itamaraty e Michele assumiria seu caso com o maquiador.
Malafaia, finalmente, realizaria seu sonho de tio Patinhas e viraria presidente do Banco Central.
Um pelotão de Cacs se encarregaria de metralhar a petralhada.
Jair se tornaria presidente vitalício e o minotauro, metade homem e metade gado, seria o novo símbolo nacional.
Mas aí baixou a Veveta em Alexandre de Moraes.
O piroca, descobrindo as maquinações do unicórnio tupiniquim, mandou prender geral.
General, passaporte, pepita, revólver, minuta, o diabo.
Macetando o apocalipse verdeamarelo.
Um cabo e um soldado estão esperando a quarta-feira de cinzas, dentro de um jipe, na porta da casa de praia de Jair, em angra.
O traslado do morto-vivo será cortejado por um buzinaço.
Palavra da salvação.
* Lelê Teles é jornalista, publicitário e roteirista